A Polícia Federal afirma que empresas do setor portuário repassaram quase R$ 6 milhões em propina para Michel Temer e mais R$ 17 milhões para o MDB. No inquérito, entregue na terça-feira (16) ao Supremo, a PF indiciou Temer e outras dez pessoas.
O relatório da Polícia Federal afirma que quando Temer assumiu a presidência, uma das primeiras medidas do novo governo foi criar um grupo de trabalho só para cuidar da questão portuária. E isso aconteceu “apenas dois dias depois de ele tomar posse como presidente”.
Segundo a PF, as negociações para a edição do decreto começaram em 2013, quando Temer ainda era vice-presidente. Empresários do grupo Rodrimar, que tem negócios no Porto de Santos, procuraram Michel Temer, que ainda era vice-presidente e o então assessor dele Rodrigo Rocha Loures para “receber tratamento diferenciado nos negócios”.
A Polícia Federal apreendeu fotos que estavam no celular do filho de um diretor da Rodrimar, e que seriam uma possível minuta do decreto dos portos, com comentários e sugestões de alterações. O documento é 2016, um ano antes de Temer assinar o decreto permitindo a prorrogação dos contratos de concessão em até 70 anos.
O relatório destaca um telefonema entre Temer e Loures, poucos dias antes da edição do decreto.
Na ligação, Temer diz: “Aquela coisa de 70 anos para todo mundo parece que está acertando aquilo lá”. Loures interrompe e fala: “Não. Isso equacionou. Isso equacionou”.
Para o delegado, a conversa vai no sentido contrário do que disse o próprio presidente, ao responder um questionário da Polícia Federal, em janeiro. Temer escreveu: “Não acompanhei a tramitação do decreto. Ele surgiu no Ministério dos Transportes”.
A Polícia Federal diz que os empresários procuravam o presidente Temer porque ele tem influência no Porto de Santos há mais de 20 anos, e que há indícios de que Temer participasse deste grupo criminoso desde a sua criação, quando indicou, na década de 90, Marcelo de Azeredo para a presidência da Codesp, a empresa que administra o Porto de Santos.
O inquérito indica que foi nesta época que surgiram os primeiros pagamentos de propinas, e que os “principais valores com indícios de irregularidades foram recebidos pelo coronel João Baptista Lima Filho”.
O coronel Lima já foi assessor de Temer, é amigo dele há mais de 30 anos. Segundo a PF, Lima usava a Argeplan, uma pequena empresa de arquitetura, e outras de fachada, para receber propina. A Argeplan tem 16 funcionários e desde 1998 fechou contratos com empresas do porto, como Libra e Rodrimar.
O delegado afirma que “a pequena estrutura da Argeplan contrasta com o portfólio de clientes”, e que “não parece comportar os contratos milionários firmados”. Diz ainda que “é possível notar que, sempre que Michel Temer ocupou cargos no governo do Estado de São Paulo, os contratos de serviços da Argeplan aumentaram”.
Documentos apreendidos durante a Operação Skala reforçam a ligação do coronel Lima com o Porto de Santos. Fotos de 1997 mostram o coronel, o sócio e as esposas fazendo visitas técnicas a portos europeus, representando a companhia que administra o porto.
A PF concluiu que: “o grupo não possuía vínculo de trabalho com a Companhia Docas de São Paulo nem qualificações técnicas para representar a Codesp em missões oficiais junto a portos estrangeiro”.
No relatório com mais de 800 páginas, o delegado Cleyber Malta Lopes aponta que entre 2000 e 2014, empresas do setor portuário pagaram quase R$ 6 milhões em propina para Michel Temer, e outros R$ 17 milhões para o MDB, partido do presidente.
A PF concluiu que o grupo J&F, dono da Eldorado Celulose, com negócios no Porto de Santos, entregou R$ 1 milhão para o coronel Lima na sede da Argeplan, em 2014. Segundo o relatório, esse dinheiro foi usado na reforma da casa de Maristela Temer, filha do presidente. A obra começou em 2013 e foi até 2015.
Em maio, Maristela prestou depoimento à PF e negou que tivesse contratado a Argeplan ou Maria Rita para fazer a obra. Disse que o pai, o presidente Temer, não pagou a reforma, e que ela usou o próprio dinheiro, R$ 700 mil.
O delegado, no entanto, afirma que a obra custou entre R$ 1,5 milhão e R$ 2 milhões e que “não há dúvida de que Temer acompanhou a obra”. E cita uma troca de mensagens, em julho de 2014, entre Maria Rita e Maristela. Maria Rita diz: “Olá, Maristela. Te enviei por e-mail os descontos”. E Maristela então pergunta: “Ok. Passo para o papai?”.
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