Mensagens recuperadas pela Polícia Federal (PF) no celular do tenente-coronel Sergio Cavaliere, que é um dos 37 indiciados pelo crime de golpe de Estado, revela como foi a reação entre os militares, diante da negativa de apoio ao golpe por parte dos comandos do Exército e da Aeronáutica. “Só a Marinha quer guerra”, consta em texto compartilhado via WhatsApp, no dia 16 de dezembro de 2022.
Cavaliere é apontado no inquérito como um dos integrantes do chamado Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral. No dia 15 de dezembro de 2022, data em que o então presidente Jair Bolsonaro (PL) assinaria o decreto de golpe, ele trocou mensagens com o coronel Gustavo Gomes, fazendo a seguinte pergunta: “guerra interna ou contra vizinhança?”.
A PF acredita que o teor se refere ao contexto de adesão ou não do Exército ao golpe de Estado. Até essa data, acreditava-se que as Forças Armadas poderiam apoiar o projeto golpista. Gomes respondeu a pergunta de Cavaliere da seguinte forma: “interna. Cabeças vão rolar. Pilhas de provas. Não terão como estrebuchar”, ao que o tenente-coronel reagiu: “ótimo”.
No dia seguinte, 16 de dezembro de 2022, diante da não efetivação do golpe e da não assinatura da minuta golpista, Gomes enviou a Cavaliere uma mensagem que havia recebido de um amigo sobre a discordância dos comandos do Exército e Aeronáutica. O texto foi compartilhado entre militares:
“Infelizmente a FAB afrouxou e o EB (Exército Brasileiro) agora também está afrouxando. Somente o MB (Marinha Brasileira) quer guerra. O PR (presidente da república) realmente foi abandonado”. Cavaliere respondeu mais embaixo: “Teremos que cortar algumas cabeças, então. (…) Deixe o povo saber quem são os traidores”.
Veja:
Mensagem para Mauro Cid
Após receber a mensagem de Gustavo Gomes, Cavaliere respondeu em áudio, segundo a PF, dizendo que havia compartilhado o print com o “nosso amigo lá da presidência”. Essa pessoa, conforme a investigação, seria o tenente-coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens da presidência da república.
No áudio, Cavaliere informou a Gomes que Cid havia confirmado toda a história e que o caso era exatamente isso. A Marinha, na figura do então comandante Almir Garnier Santos – outro dos 37 indiciados pela PF – aceitou cumprir as ordens do plano de golpe, enquanto Exército e Aeronáutica refutaram a ruptura institucional.
A falta de apoio de duas das três Forças Armadas é o que teria feito Bolsonaro recuar no planejamento de golpe e desistido de assinar o decreto. A PF aponta que o então presidente tinha “plena consciência” do que estava em curso e que sabia, inclusive, do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o sequestro e até morte de autoridades, como o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Retirada do sigilo e envio à PGR
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou o sigilo do relatório da PF nesta terça-feira (26/11) e encaminhou o inquérito para análise da Procuradoria-Geral da República (PGR), que será a responsável por apresentar ou não a denúncia ao Judiciário.
O indiciamento de 37 pessoas feito pela PF, na última semana, é resultado de uma investigação que durou quase dois anos e que foi concluída após a deflagração da Operação Contragolpe. A ação tornou público o plano que previa, até mesmo, o assassinato de autoridades, como o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e Alexandre de Moraes.
Além de Bolsonaro, aparecem na lista de indiciados nomes como o do ex-ministro da Defesa e candidato a vice na chapa do ex-presidente, em 2022, general da reserva Braga Netto, e do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e também general da reserva do Exército, Augusto Heleno.
Eles foram indiciados pelos crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa. No despacho desta terça-feira, Moraes assinala como o grupo teria se articulado em diferentes núcleos de atuação, mas com um objetivo em comum: evitar a posse da chapa vencedora nas eleições presidenciais de 2022.