Embora a economia esteja crescendo e os níveis de desemprego estejam nos menores patamares da história, a inflação e os juros seguem altos no país, afetando o poder de compra do brasileiro. A aparente discrepância nos dados pode ser explicada.
O mercado de trabalho aquecido, ou seja, com boa parte da população em idade ativa empregada, acaba por elevar os preços dos bens e serviços, o que gera pressão sobre a inflação. Como o principal instrumento de controle da inflação é a taxa básica de juros, a Selic, o Banco Central (BC) segue mantendo-a em patamares elevados — e não dá sinais de que vai reduzi-la.
O BC tem a tarefa de manter a inflação dentro da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional (CNM), que é de 3%, com um intervalo de tolerância de 1,5 ponto percentual. Isto significa que o índice pode variar de 1,5%, no piso, a 4,5%, no teto, para que a meta seja cumprida.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, está em 4,76% no acumulado de 12 meses até outubro — 0,26 ponto percentual acima do teto da meta.
Ao aumentar a Selic para conter a inflação, a consequência é a redução do consumo e dos investimentos no país. Dessa forma, o crédito fica mais caro e a atividade econômica tende a desaquecer, provocando queda de preços para os consumidores.
O atual diretor de Política Monetária e futuro presidente do BC, Gabriel Galípolo, disse na segunda-feira (2/12) que o atual cenário econômico dá indicativos para “juros mais altos por mais tempo”.
Preços altos e o impacto da energia
A energia é outro fator responsável por pressionar a inflação, após a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) ter subido as tarifas ao acionar as bandeiras vermelha e amarela — que gera valores adicionais a cada 100 kWh consumidos — no decorrer do ano.
Com o acionamento da bandeira verde em dezembro, há expectativa de que a redução dos custos de energia elétrica traga algum alívio para as empresas e impacto positivo na economia e, consequentemente, para a Selic.
Economia vai bem, mas até quando?
O Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 0,9% no terceiro trimestre de 2024 (período de julho, agosto e setembro), frente ao segundo trimestre deste ano, conforme divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na terça-feira (3/12). No acumulado de 2024 (de janeiro a setembro), o PIB acumula alta de 3,3%.
O número é celebrado pelo governo Lula (PT), que projeta um crescimento de 3,3% em 2024. No entanto, estimativas de analistas apontam que o PIB tende a desacelerar daqui para frente.
“Os dados da atividade econômica indicam que, até o encerramento de setembro, a economia ainda apresentava desempenho bastante robusto. Esse quadro deve se alterar entre o fim de 2024 e o próximo ano”, projetou o economista Felipe Salto.
Segundo ele, o ciclo anterior da política monetária, que havia viabilizado taxas de juros menores, pode ajudar a explicar o bom desempenho. O ciclo de corte de juros foi interrompido em meados de 2024 e, a partir de setembro, o Copom passou a subir a Selic. A taxa atualmente está em 11,25% ao ano e poderá subir ainda mais na próxima reunião, marcada para 10 e 11 de dezembro.
Salto estima que o Banco Central deve adotar uma política monetária mais contracionista, com alta expressiva da Selic, propiciando um período de desaceleração da atividade. Isso porque há a pressão das expectativas de inflação e o dólar elevado.
Apesar do crescimento acima de 3% para este ano, que já é consenso entre boa parte dos analistas do mercado financeiro, a economia brasileira deve crescer um pouco menos em 2025, mais próximo dos 2%, ainda sustentando um desempenho positivo.
Outro item que deve forçar a alta da Selic é a taxa de câmbio. Com o dólar ultrapassando a marca de R$ 6 há alguns dias, as importações são encarecidas e os repasses inflacionários, potencializados.
Sidney Lima, analista de investimentos, vê um contexto econômico desafiador.
“O cenário exige cautela e planejamento, tanto por parte do governo quanto dos agentes econômicos. Medidas fiscais e monetárias bem calibradas serão cruciais para sustentar esse crescimento no médio prazo, ao mesmo tempo em que se busca mitigar os impactos de um ambiente externo desafiador e de uma política monetária interna mais restritiva”, avaliou Lima.
Governo se defende
O próprio presidente Lula tem reforçado que não há razão para pessimismo em matéria de economia. Justamente para sinalizar para os agentes econômicos, o governo anunciou na semana passada seu pacote de corte de gastos, que preservou temas sensíveis ao governo, como o salário mínimo atrelado à inflação e a vinculação das aposentadores ao piso nacional.
Outro dado sempre reforçado por Lula e auxiliares é o do emprego.
Segundo o IBGE, o número de pessoas empregadas atingiu um recorde de 103,6 milhões, enquanto a população desocupada foi de 6,8 milhões, a menor desde 2014. A taxa de informalidade ficou em 38,9%, e o rendimento médio habitual dos trabalhadores foi de R$ 3.255 por mês.
Integrante da equipe econômica e da ala mais desenvolvimentista, a ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, ponderou na terça-feira (3/12) que, “no debate público, a gente está sempre olhando o copo meio vazio, não o copo meio cheio, ou até mais do que cheio”.
“Sem dúvida, na última década, esse é dos maiores resultados econômicos que estamos vivendo e, sem dúvida, isso é fruto desse processo de reconstrução da capacidade do Estado de entregar”, disse Dweck, acrescentando que “as empresas públicas e demais instituições aqui presentes tem papel central nesse resultado. É o trabalho conjunto do setor público e do setor privado que tem permitido que a gente chegue nesse resultado”.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, um dos principais auxiliares do ministro Fernando Haddad, destacou que o crescimento que vem sido apresentado pela economia brasileira é “saudável”.
“Estamos em um momento econômico muito bom. Saiu o resultado do PIB, mostrando uma atividade econômica forte, consistente, com crescimento bem espraiado, formação bruta de capital fixo crescendo de forma muito significativa… Isso torna o crescimento mais sustentável a médio prazo. Ele [o crescimento] não fica só carregado pelo consumo, isso é importante. Então, é muito saudável esse tipo de crescimento. E agora é esse olhar desse ajuste”, disse ele.
O secretário adicionou que agora está nas mãos do Congresso garantir a sustentabilidade fiscal para a frente, aprovando as medidas de corte de gastos. O pacote tem previsão de economia de R$ 70 bilhões entre 2025 e 2026.