Um erro que perdura desde os anos 1990 pode, enfim, ser corrigido em Francisco Beltrão, município localizado a cerca de 500 km de Curitiba (PR). A prefeitura da cidade encaminhou à Câmara Municipal um projeto de lei para alterar o nome de uma rua que, de forma equivocada, homenageia o ex-deputado Rubens Paiva como se ele tivesse sido um militar.
O logradouro em questão leva o nome de “Marechal Rubens Paiva” — título militar concedido apenas a generais em tempos de guerra —, o que representa uma distorção histórica, já que Paiva era engenheiro e político. Além disso, um dos militares envolvidos na morte de Paiva durante a ditadura militar brasileira ostentava o posto de general.
Entenda
- Rua foi batizada como “Marechal Rubens Paiva” nos anos 1990.
- Vereadores petistas cobraram a mudança por meio de um projeto de lei. Agora, a prefeitura também protocolou um projeto corrigindo essa e outros nomes de rua do município.
- De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município conta com 101 mil habitantes.
No projeto, o prefeito Antônio Pedron (MDB) argumenta que a proposta visa adequar o nome da via “à realidade histórica e biográfica da personalidade homenageada”. Segundo ele, a medida busca respeitar a memória do ex-parlamentar e corrigir um erro de natureza simbólica.
“Rubens Paiva foi engenheiro e deputado federal, eleito pelo antigo estado da Guanabara, e teve seu mandato cassado pelo Ato Institucional nº 1, em 1964, após o golpe militar. Em 1971, foi sequestrado por agentes do regime e, desde então, consta oficialmente como desaparecido político, sendo um dos casos mais emblemáticos de violação de direitos humanos durante a ditadura no Brasil”, detalhou o prefeito no texto enviado ao Legislativo.
A história do ex-deputado, que se tornou símbolo da resistência à repressão, inspirou o filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional.
Com a alteração, a rua passará a se chamar apenas “Rua Rubens Paiva”. “Ao adotar essa medida, o município de Francisco Beltrão reafirma seu compromisso com os valores democráticos, com a memória histórica verdadeira e com o respeito às vítimas da repressão, em consonância com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da transparência histórica”, concluiu Pedron.
O projeto foi apresentado na última quinta-feira (3/4), mas ainda precisa tramitar pelas comissões da Câmara antes de ser votado em plenário. A proposta, no entanto, conta com o apoio tanto da base governista quanto da oposição.
Levantamento
Se aprovada, a alteração elevará para nove o número de logradouros — entre ruas e praças — no Brasil que homenageiam Rubens Paiva. O dado foi obtido por meio de um levantamento feito pelo Metrópoles junto ao banco de dados dos Correios.
O processo que investiga a morte de Rubens Paiva está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF). A Corte vai decidir se crimes classificados como “grave violação de direitos humanos” podem ser excluídos da Lei da Anistia.
O Ministério Público Federal (MPF) sustenta, no processo, que sequestro e cárcere privado têm natureza permanente; portanto, não deveriam ser abrangidos pela lei. O Plenário Virtual do STF reconheceu a repercussão geral do caso e também avaliará a morte de outros dois opositores à ditadura militar, vigente no Brasil entre 1964 e 1985.
As ações chegaram ao Supremo após o MPF recorrer de decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que arquivaram os processos, sob a justificativa de que os crimes estavam acobertados pela Lei da Anistia.
Lei da Anistia
Entre os responsáveis pelo desaparecimento de Rubens Paiva, dois ainda estão vivos. O grupo chegou a ser denunciado e tornados réu em primeira instância no Rio de Janeiro pelos crimes de homicídio qualificado, ocultação de cadáver, fraude processual e formação de quadrilha armada. No entanto, o caso foi arquivado com base na Lei da Anistia, considerada constitucional pelo STF, conforme a legislação de 1979.
O que os ministros da Corte vão decidir agora é se a Lei da Anistia pode ser aplicada a crimes permanentes e se a validade é compatível com tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
Caso o STF aceite o recurso do MPF e determine que o Brasil deve punir crimes cometidos durante a ditadura, os processos poderão ter continuidade nas instâncias inferiores.
Se os ministros decidirem em sentido contrário, as investigações sobre a morte de Rubens Paiva e de outras duas vítimas da ditadura militar serão encerradas, sem possibilidade de punição. O relator do processo é o ministro Alexandre de Moraes.