Com lote quitado e o sonho de sair do aluguel há anos, a auxiliar administrativa Taís Vanessa Rodrigues Guimarães aguarda desde 2022 o acesso ao terreno comprado à vista em um dos residenciais do grupo AGX, em Querência (MT), e que foi divulgado pelo cantor sertanejo Leonardo. Ela é uma das centenas de pessoas que adquiriram unidades no empreendimento e seguem sem resposta, desde então. O cantor nega ser sócio do negócio. O caso foi revelado pelo Metrópoles.
Taís ganhou o lote de presente do pai. O terreno foi pago por ele em parcela única de R$ 45 mil em 15 de julho de 2022, conforme promoção relâmpago feita à época pela AGX – “quem pagasse à vista, teria desconto”, diz ela. O pai vendeu uma parcela de terra para adquirir três lotes. Além do presente dado à filha, ele comprou, ainda, um segundo lote para o irmão de Taís e um terceiro para uma tia dela.
As unidades fazem parte da divisão Munique III do residencial Munique Smart Life, que é, justamente, o condomínio que encontra-se parado, irregular e que tem desencadeado uma série de ações na Justiça, questionando a empresa e o artista sobre a resolução do caso. Com cerca de 800 lotes e a chancela de Leonardo, o empreendimento atraiu o interesse da população local e vendeu centenas de cotas.
“Continuo morando de aluguel até hoje, depois de quase três anos de espera. Já tentei entrar em contato com a AGX, pedi para cancelarem o contrato… Eu quis desistir, quando percebi o problema, mas falaram que, em caso de lote pago à vista, não havia possibilidade de desacordo”, relata Taís. Ela é uma das pessoas que entraram na Justiça para rescindir o contrato e obter o dinheiro de volta.
Termo de quitação foi entregue dois anos depois
Apesar de o pagamento ter sido feito em julho de 2022, Taís Vanessa só conseguiu obter o termo de quitação no nome do pai, em abril de 2024, quase dois anos depois e de muito insistir com a empresa. Ainda assim, entregaram a ela um documento não assinado, mas que informa o seguinte: “pelo presente, dou quitação ao valor total pactuado, referente ao negócio firmado acima referido”.
Veja:

“Antes deles desativarem os números [telefônicos] da AGX e de dar esse estouro todo que deu, eu entrei em contato com eles e falei que queria a carta de quitação, porque até o momento – isso, em 2024 – eles não tinham me dado nada e não havia nada que comprovava o pagamento, além do extrato do banco e das testemunhas que sabiam da negociação. E a moça [da AGX] pegou e me mandou isso aí, falando que era minha carta de quitação. Não mandaram nada assinado”, relata Taís.
Ela destaca, ainda, que no documento é mencionada a compra de terreno na Quadra 8 e Lote 18 do Munique III. Em resposta ao Metrópoles, o grupo AGX alega que o projeto não envolvia venda de lotes, “mas sim a captação de investidores por meio de cotas dentro de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP)”.

Terreno irregular
Lançado entre o final de 2021 e o início de 2022, o residencial Munique Smart Life seria implantado numa área de 38 hectares, adquirida pelo dono da AGX, Aguinaldo José Anacleto. Antes mesmo de quitar a compra do terreno e regularizar o empreendimento junto à prefeitura local, a empresa deu início às vendas.
Hoje, sabe-se que a área está irregular e é alvo de ação de reintegração de posse por parte dos antigos donos. Eles alegam que Anacleto não teria cumprido o acordo, tampouco efetuado os pagamentos, conforme o combinado. Do valor total de R$ 12,9 milhões, segundo eles, foram pagos, apenas, R$ 4,7 milhões, com atraso evidenciado e cheques sem fundo a partir da terceira parcela, prevista para maio de 2023.
Para Taís, a participação do cantor Leonardo na divulgação atraiu o interesse das pessoas, dada a credibilidade e notoriedade do artista, um dos mais populares do país. “Quem é que não confia no Leonardo? Quem imaginaria que estávamos entrando em um rolo tão grande como esse?”, questiona ela.
O sertanejo esteve em Querência mais de uma vez, entre 2021 e 2022, para participar do lançamento de empreendimentos. Para a população local, ficou subentendido que ele seria investidor e um dos sócios dos residenciais. Em uma das ocasiões, ele gravou o seguinte vídeo:
O que dizem Leonardo e a AGX?
Em resposta ao Metrópoles, Leonardo informou, via assessoria de imprensa, que os advogados dele já estão sabendo do caso e tomando as providências cabíveis. O cantor alega que atuou, apenas, como garoto-propaganda do empreendimento da AGX, em Querência, assim como costuma anunciar em campanhas de empresas e produtos diversos. Ele afirma, ainda, que não é sócio e não tem participação no negócio.
Já a AGX, de Anacleto, alega que o projeto do residencial Munique Smart Life “não envolve a venda de lotes, mas sim a captação de investidores por meio de cotas dentro de uma Sociedade em Conta de Participação (SCP), estrutura jurídica devidamente regularizada e em conformidade com a legislação vigente”.
Segundo a companhia, o empreendimento segue em desenvolvimento, apesar da paralisação nos últimos anos. “Eventuais questionamentos jurídicos estão sendo tratados no devido foro competente, com a plena convicção da regularidade dos procedimentos adotados”, aponta a AGX.
Em relação ao processo de reintegração de posse, movido pelos antigos donos do terreno, que alegam atraso no pagamento do valor acordado, a empresa diz que não há decisão judicial definitiva sobre o caso e contesta os argumentos do vendedor da área. Segundo a AGX, ele “fixou o pagamento em sacas de soja e não aceitou a variação do índice conforme determina a lei”.
“A negociação segue judicialmente, mas não há inadimplência reconhecida e a paralisação das obras decorre da inadimplência de investidores, incentivada por calúnias e desinformação”, alega a empresa.
Sobre a participação do cantor Leonardo, a AGX afirma que ele “não tem nenhuma vinculação ou responsabilidade contratual sobre a administração e execução dos empreendimentos em Querência”. O cantor, segundo a empresa, “firmou uma parceria de publicidade, cedendo o direito de uso de sua imagem. Ao firmar essa parceria, ele também apostou no empreendimento, acreditando em seu sucesso, mas não possui qualquer participação ou responsabilidade administrativa nos empreendimentos”.
A parceria com o artista, conforme a AGX, “envolveu o uso de sua imagem e, em contrapartida, a participação em cotas, nos mesmos moldes dos demais clientes”.