Imagine um lugar onde qualquer livro seja proibido e que bombeiros, ao invés de combater o fogo, existem para incendiar casas, bibliotecas ou qualquer espaço onde livros sejam encontrados.
A leitura se tornou algo proibido, pois com ela corre-se o risco do povo se instruir e se rebelar contra o status quo, portanto tudo é controlado e as pessoas só têm conhecimento dos fatos através dos aparelhos de TVs instalados em suas casas ou em praças públicas.
Esta “ficção”, cada vez mais próxima da realidade, é contada em “Fahrenheit 451”, clássico literário escrito pelo genial Ray Bradbury, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, em 1953.
A obra pode ser comparada à outras distopias como “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, e “1984”, de George Orwell, dando uma visão bem clara dos riscos do totalitarismo e da opressão anti-intelectual, algo muito próximo da atual e real “cultura do cancelamento”, que tem levado a sociedade vigente de volta ao período medieval.
Filmes, canções, livros, opiniões e até seres humanos, estão sendo “cancelados” diariamente por um “comitê”, muito próximo do que foi a Gestapo, que define o que deve ou não existir, ser ou não consumido, ignorando por completo a liberdade de expressão e o contexto no período histórico em que tais obras foram produzidas.
Uma destas vítimas, acreditem se quiser, foi o inocente filme colegial “Grease”, um clássico musical com John Travolta e Olívia Newton John.
A geração “aveludada”, egocêntrica, ridiculamente sensível e cada dia mais estúpida, se ofendeu com uma adocicada história de amor contada nos anos 50.
Clássicos como “E o vento levou” e filmes como “Canção do Sul”, primeiro live action com animação da Disney, também já foram “cancelados”, ignorando inclusive a relevância cinematográfica e até mesmo o “lugar de fala” de seus laureados envolvidos.
Premiada por sua atuação em “E o vento levou”, Hattie McDaniel foi a primeira atriz afrodescendente a ganhar um Oscar, assim como o ator James Baskett, que recebeu um Oscar de Honra por sua atuação como Tio Remus em “Canção do Sul”, tornando-se o primeiro ator afrodescendente a receber tal premiação.
Mas estas honradas vitórias não importam para os novos “censores” que já decretaram as obras como racistas, condenando-as ao “eterno esquecimento”.
Até o inocente filme que imortalizou a bela Audrey Hepburn, “Bonequinha de Luxo”, entrou na mira do cancelamento, pois o personagem chinês vivido por Mickey Rooney, de acordo com os “fiscais do pensamento”, é ofensivo, pois é engraçado. Ou seja, comédia se fizer rir, torna-se uma ofensa.
“Festim Diabólico” e “Psicose”, ambos do genial Alfred Hitchcock, supostamente também entraram no pacote do cancelamento, pois o primeiro, apesar de um brilhante filme feito quase que inteiro em um único plano de sequência, insinua que o assassino é um homossexual, ou seja, de acordo com os “novos censores” ofende uma minoria. Seguindo esta premissa, “Silêncio dos Inocentes”, que praticamente afirma a opção sexual do serial killer, será possivelmente queimado em praça pública.
Norman Bates e sua “mãe” foram igualmente cancelados, pois sua dupla personalidade é considerada um insulto aos transgêneros.
Parece piada, né? Mas é sério.
Seis livros do Dr. Seuss já foram proibidos de serem relançados e Os Muppets, agora no canal Disney, vem com aviso de conteúdo ofensivo, assim como “Peter Pan” (por causa dos índios) e até “Dama e Vagabundo” e “Aristogatas”, acusados de xenofobia.
Na lista da censura não se perdoam nem desenhos animados, já que o gambá Pepé Le Pew e Ligeirinho também estão cancelados, assim como a dona Clotilde, famosa Bruxa do 71, do seriado Chaves.
Que mente doentia consegue censurar um desenho animado e um seriado infantil com décadas de existência? Isto é o “Novo Mundo”?
Até brinquedos como Cabeça de Batata estão sob a mira da censura e sua cruzada anti “binários”.
Beethoven, Mozart e Bach também entraram na lista de “cancelados”, pois a Universidade de Oxford considerou retirar dos cursos de música as partituras destes compositores, a pedido do movimento extremista Black Lives Matter, que apontou preocupações sobre “cumplicidade da supremacia branca” nos currículos musicais.
Há um surto mundial de insanidade. Sinceramente, nem um livro de ficção seria capaz de prever uma distopia tão sarcástica quanto esta.
E, assim, estamos cada vez mais próximos do cenário que o escritor visionário, George Orwell, “profetizou” em seu livro “1984”, onde o Ministério da Verdade era responsável pela falsificação de documentos e literatura (leia-se arte) que poderiam servir de referência ao passado, de forma que modificadas a bel prazer, sempre confirmem o que o Partido afirma ser a mais absoluta e incontestável verdade.
Quer um duro conselho? Guarde seus dvds, livros e discos.
Em breve este acervo pode valer milhões, ou a sua prisão, caso a lei siga pela ótica do também quase profético, Ray Bradbury, e seu “Fahrenheit 451”.
Os Ramones, uma de minhas bandas favoritas, não seguiam regras e nem tão pouco dançavam conforme a cartilha do progressismo, algo que explicitamente sempre foram contrários, especialmente na figura do líder Johnny Ramone, conservador assumido e um anti-comunista.
Na canção “Censorshit”, do fantástico álbum “Mondo Bizarro”, a letra é uma resposta perfeita para os novos censores “do bem”:
“Liberdade de escolha precisa de uma voz muito forte/Você pode selar a fonte, mas não pode parar o pensamento criativo/Pergunte ao Ozzy, Zappa ou para mim e nos lhe mostraremos o que é ser livre.”
E alguém duvida que esta tríade musical sabe muito mais sobre liberdade do que qualquer “roqueiro” desta nova e confusa geração?
Texto original do livro A Toca do Lobo