Próximo da data que marca um ano das enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, o teatro gaúcho volta a ser protagonista em um festival nacional. Apresentações de espetáculos de Porto Alegre reforçam a força da arte e movimentam artistas e novos trabalhadores do setor cultural por todo o Brasil.
A 31ª edição do Porto Alegre em Cena está em cartaz no Rio de Janeiro e conta com programação voltada para as produções de espetáculos do Rio Grande do Sul. As peças Caio do Céu e Onde Está Cassandra? são os destaques da vez.
Caio do Céu faz temporada de 26 de março a 20 de abril de 2025. O espetáculo conta com parte da obra do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu, que inclui crônicas, cartas, contos, poemas, textos teatrais, música ao vivo, projeções e antigas entrevistas, e traz Deborah Finocchiaro e Kiti Santos ao palco.
Em entrevista ao Metrópoles, Deborah falou sobre a relação da peça com a tragédia climática de 2024, citando as perdas do povo do Rio Grande do Sul e criticando a falta de políticas públicas.
“Algumas pessoas não foram ressarcidas pelas perdas e continuam sem casas. Além disso, verbas foram desviadas e artistas tiveram agendas rompidas, perderam espaços e materiais. Todas essas questões estão presentes na obra de Caio Fernando Abreu, que falava com maestria sobre ecologia, desigualdades, injustiças e tantos assuntos relevantes acerca da sociedade contemporânea e da condição humana”, explicou.
A outra peça que também está em cartaz é Onde está Cassandra?, que terá apresentações de 17 de abril a 12 de maio e celebra os 25 anos de carreira da drag queen Cassandra Calabouço.
A artista também conversou com o Metrópoles e explicou que ficou 20 dias fora de casa por conta do avanço rápido das águas durante as enchentes. Sem água, luz e internet em casa, a drag queen também teve perdas profissionais com eventos cancelados. Agora, Cassandra busca uma recuperação com a retomada da peça teatral, que tem tudo a ver com esse novo período.
“A cena artística e cultural do Rio Grande do Sul é rica e amplamente diversa. O espetáculo trata, de fato, sobre diversidade e também sobre a complexidade de ser artista no sul do Brasil, da resistência e da resiliência que nos é necessária para seguirmos nosso ofício de artistas da cena”, celebrou.
Retomada do teatro no Rio Grande do Sul
A movimentação do setor artístico, retomando as peças teatrais pelo Brasil, é motivo de orgulho para Cassandra Calabouço. Ao Metrópoles, ela destacou a importância da retomada cultural no Rio Grande do Sul.
“É uma transformação real. Iniciativas teatrais movimentam toda a cadeia artística e cultural: além dos artistas que se vê no palco, existem inúmeros profissionais envolvidos, como iluminadores, produtores, figurinistas, técnicos de luz, de som e produtores culturais. Uma cadeia complexa e diversa que está conseguindo oportunidade de retomar as atividades nesse período pós-enchente”, celebrou.
Deborah Finocchiaro, por sua vez, destaca a união da classe artística após o período de perdas.
“Levar algumas produções para outras cidades brasileiras, além de gerar empregos — não só para os gaúchos, mas para todo o entorno dos locais que estão recebendo essas montagens —, representa um rompimento de fronteiras. É uma união artística dentro de um Brasil continental, tão rico e repleto de arte”, destacou.
Segundo a organização do Porto Alegre Em Cena, cerca de 65 gaúchos estão mobilizados com a produção do festival nesta etapa que está no Rio de Janeiro e, em breve, estará em São Paulo.
Espaços culturais afetados pelas enchentes em 2024
Segundo o Sistema Estadual de Museus (SEM/RS), cerca de 19 instituições e 50 museus foram afetados pelas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul.
Entre os locais atingidos estavam a sede do grupo de teatro Terreira da Tribo de Atuadores Ói Nóis Aqui Traveiz, que atua há mais de 70 anos. O espaço era alugado e ficou totalmente destruído após as fortes chuvas.
Outro endereço que ficou devastado foi a unidade do Museu do Hip-Hop localizada em Esteio. Conhecida como a primeira casa de cultura do estilo no RS, o local teve estrutura danificada e mobiliários levados pela enchente.
No Ponto de Cultura Instituto Cirandar, o trabalho será de recomposição do acervo, porque a biblioteca do local foi totalmente perdida. A oficina de xilogravura do Museu do Trabalhador também foi afetada e mais de 70 anos de conteúdos foram perdidos, além do teatro local.
O Museu de Arte do Rio Grande do Sul teve o espaço subterrâneo atingido. Ainda em 2024, o Ministério da Cultura (MinC) visitou alguns endereços para a reconstrução.
Em 2025, apesar das perdas materiais e históricas, os locais retomaram as atividades contando uma rede de apoio popular e auxílios governamentais.