O líder do governo Lula na Câmara, José Guimarães (PT-CE), afirmou que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisa se aproximar e desenvolver uma relação próxima com o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), após a crise do IOF. Em entrevista ao Metrópoles, ele também defendeu ampliação da federação do PT e indicou a necessidade de uma reforma de cargos para atender ao Centrão.
A entrevista foi concedida na segunda-feira (26/5), num momento em que o Planalto enfrenta resistência na Câmara de legendas até então aliadas, como PDT e PSD, e também articula uma reação para impulsionar a candidatura de Lula à reeleição. Segundo Guimarães, o governo conta com a aprovação neste semestre da reforma do Imposto de Renda, da PEC da Segurança Pública e também da MP que isentou a cobrança de energia para a população mais pobre.
Confira a entrevista completa:
Metrópoles – Sobre a situação do governo na Casa. Recentemente aconteceu uma série de problemas com três partidos: o União Brasil, com o líder convidado e recusando convite; depois tivemos o PSD, que ficou insatisfeito com a expectativa de levar o Ministério do Turismo; e o PDT por causa da troca do Ministério da Previdência com a saída do ministro Lupi e a entrada do ministro Wolney. Como o governo fica neste ano pré-eleitoral e o que pode fazer, se é que vai fazer alguma coisa, para tentar contornar essa situação?
José Guimarães – A despeito desses problemas ocorridos, até agora nós votamos tudo o que for necessário e que o governo pretendeu. Até mesmo na última quarta feira, voltamos o projeto dos servidores, que era um dos mais difíceis. Era um PL [Projeto de Lei] do reajuste, mas criava e transformava cargos, de grande impacto na administração pública federal. Nós aprovamos praticamente por unanimidade esse projeto.
Votamos semana retrasada outro projeto importantíssimo, que é uma reformulação da Lei das PPPs. Decisiva essa votação para os investimentos do PAC, que fez uma remodelagem nessa parceria público e privado e das articulações que o governo precisa fazer para ter a presença forte das empresas estatais e da iniciativa privada nos investimentos do PAC.
A despeito disso, nós não temos tido dificuldade de aprovar todas as matérias do ponto de vista econômico. O mundo todo sabe, o Brasil sabe, que tem matérias mais relacionadas às questões de direitos e, sobretudo, de costumes, que nós temos dificuldade por conta da composição ideológica do Congresso. Todo mundo sabe disso, que não é fácil.
Por exemplo, na lei ambiental, aprovaram uma lei, um novo marco do licenciamento ambiental no Senado. Nós tínhamos aprovado aqui, teve divergência, e Senado reformulou. Nós vamos ter que debater isso aqui, porque é uma questão que a base do governo se divide no Senado e com certeza vai se dividir aqui.
Não acho conveniente votar essa matéria em plena COP 30. O mundo todo está olhando para o Brasil e nós precisamos ter muito cuidado com o Brasil não dar o sinal trocado dentro dos seus compromissos mundiais com a questão ambiental. Foi o que eu vi, por exemplo, fortemente o presidente Lula discutindo na China com o [presidente] XI Jinping.
Portanto, são matérias que são polêmicas. Isso não pode ser motivo para desagregar a base do governo.
Eu defendo que o PDT volte a normalidade na relação com o governo. O PDT sempre foi um aliado leal e fiel aqui dentro. Eu já defendi isso perante a ministra Gleisi [Hoffmann, de Relações Institucionais], e estou trabalhando para isso, defendo isso, um reajuste de conduta de lado a lado.
Metrópoles – O que poderia ser feito como reajuste?
Guimarães – Vamos ter que discutir com a bancada. Eu acho que nós temos que reunir a bancada e a liderança do PDT, e discutir o reposicionamento dele no governo.
O União Brasil…foi superada aquela questão da data da saída do ministro. A saída do Juscelino e indicação do outro ministro. E há o PSD que vem com esse problema desde o ano passado.
Nós temos conversado sobre isso. Eu defendo a tese que é necessário daqui até julho, mais ou menos, a gente fazer um rearrumamento do governo com os partidos da base aqui dentro, tendo em vista 2026. Eu acho que é fundamental, num momento como esse, atraírmos o Centro e discutirmos a efetividade, a participação deles, no governo e, a partir daí, consolidarmos o nosso espectro.
É a ideia da frente ampla, eu sou defensor da Frente Ampla para 2026. A ideia da Frente Ampla tem que caber toda a esquerda, tem que caber o Centro e setores da direita. Essa frente ampla, estou com essa tese, tem que ser construída em torno de dois princípios: compromisso com a democracia, isso é fundamental, e do Estado Democrático de Direito; e um programa transformador, que altera o padrão de desenvolvimento, com fortes mudanças na questão da renda e na questão da miséria, como o governo já vem fazendo.
Então, a ideia da Frente Ampla é muito importante. Nós temos que juntar amplos setores da sociedade para derrotar a ultradireita em 2026. Isso é que eu defendo. É esses partidos são a chave. Temos que chamar todo mundo, sentar e conversar. Há divisão nos partidos? Tem, mas até no PT há divergências muitas vezes. Como é que não tem no União Brasil, MDB, enfim…
Vou defender uma outra ideia. Vou defender o PT que nós apresentamos uma ideia, uma proposta de federação envolvendo PT, PV e PCdoB, como já existe, e trazendo também para a federação, o PSB e o PDT.
Eu acho que como as federações estão se formando, nós do PT, temos que nos dar conta de que é importante formar a federação. Essa federação teria em torno de 119 deputados, com importância vital para a construção da ideia da Frente Ampla para 2026. É o que eu defendo.
Metrópoles – Sobre a “rearrumação”, que o senhor defende que o governo faça até julho. O que poderia ser essa rearrumação? Seria rever a rever espaços no governo?
Guimarães – Eu acho que é sentar com os presidentes de partidos e ouvir e discutir. Eu não tenho receita, e não sou eu que sugiro mudar isso ou mudar aquilo. É o governo que tem que fazer.
Metrópoles – No caso, seria sentar com o presidente Lula, com a Gleisi…
Guimarães – Acho que, enquanto governo, seria importante sentar a ministra da articulação política com os presidentes de partidos e os líderes, para discutir essa nova nomenclatura que eu estou chamando de Frente Ampla para 2026. É estabelecer quais são os compromissos de cada partido e quais são os nossos, do governo.
A direita, ou a ultradireita, ela tem plano A e plano B, e o nosso plano só é o plano A. Um plano A tem que se ancorar na figura do presidente Lula, na reeleição dele, mas em torno dele montar um amplo espectro político e ideológico para continuar as mudanças que ele está realizar.
Então, essa ideia da Frente Ampla é para ganhar eleição e governar. O que aconteceu na última eleição em 2022? Não teve frente, mas uma frente (de) esquerda, onde veio alguns partidos no segundo turno… Chegou a hora do Brasil repensar. A direita tem plano A e plano B. Eles têm os bolsonaristas originais e os aliados, como Tarcísio [de Freitas, governador de São Paulo] e companhia. É onde a direita, a ultradireita, em torno de um programa de retirada de direitos, que fracassou com o consenso de Washington, e que agora eles querem reeditar algo parecido. Não há mais espaço no Brasil sobre isso. E o nosso nosso principal principal objetivo dessa frente ampla para conquistar a democracia é com o Estado Democrático de Direito.
Metrópoles – O projeto do licenciamento ambiental foi aprovado no Senado e dividiu bastante a base. O governo ficou com poucos votos, e a base votou com o agro… O senhor afirmou que projetos como esse não podem dividir a bancada. A tendência será liberar a bancada?
Guimarães – O tem algumas prioridades centrais para votar. Isso é um projeto a parte. Nós temos Imposto de Renda, a PEC da Segurança e agora a Medida Provisória da isenção da conta de energia, que vai atingir até 115 milhões de pessoas. Essas três matérias, para mim, elas são estratégicas para o Brasil, sustentam o crescimento com inclusão social e, sobretudo, com estabilidade econômica no país.
Eu acho que a nossa prioridade de governo deve ser isso: votar no primeiro semestre o Imposto de Renda, a PEC 66 de segurança e a MP das contas de energia, que é uma reformulação do marco elétrico. Tudo no primeiro semestre.
Na paralela, ainda vamos discutir esses projetos pendentes, como o projeto de licenciamento ambiental. Vamos discutir com os líderes, não há nenhuma posição definida. Eu sou contrário a esse projeto, não é momento para isso, quando o Brasil e o mundo olham para a COP 30, não é hora de um liberou geral.
Vamos ter senso de medida. Já pagamos caro [por] muitas coisas aqui. Portanto, eu acho que deveríamos ter muito cuidado com isso, porque isso pode ter grande impacto da sociedade.
Dividimos a agregar nessa nova pauta a questão da regulação das bets.
Metrópoles – Regulação das redes sociais também?
Guimarães – E redes sociais, não podemos fugir desse debate.
Acho que precisamos de muito cuidado e votar projetos de interesse do ministro Haddad. Há outra questão que na política nós temos que retomar. O ministro Haddad sempre teve um diálogo muito propositivo e afirmativo com o Congresso na gestão de Artur Lira (PP-AL).
Haddad andava aqui praticamente toda semana, discutindo os projetos, debatendo, encaminhando e dialogando com os líderes. Nós temos que imediatamente retomar isso. Até porque o ministro Haddad tem que estar fortalecido, porque ministro fraco na economia é governo fraco. Quanto mais ministro da economia forte, mais o governo é forte. Portanto, nós precisamos rearrumar essa relação do Haddad.
Metrópoles – O Haddad de fato tinha uma sinergia com Lira, que não era a pessoa mais aberta da República. Mas eles conversavam e se resolviam, mas o Motta não tem essa proximidade com Haddad hoje?
Guimarães – Se deu muito bem, mas precisam ter uma relação mais proativa. Quero [fazer a ponte]. Acho fundamental. O Haddad quer isso, e nós vamos retomar. Nós vamos ter na próxima semana uma questão do Parlamento dos BRICs. Praticamente não vai ter sessão aqui por conta disso. E imediatamente após essa esse Parlamento dos BRICS, eu penso que nós devemos retomar com o ministro Haddad o diálogo que ele sempre teve aqui com o conjunto dos líderes e com o parlamento brasileiro.
Foi esse diálogo que resultou em todas as conquistas que nós tivemos em 2023 e 2024.
Metrópoles – Sobre a crise recente do IOF, uma medida que o governo tomou, foi mal recebida, e depois recuou. O que aconteceu e qual o impacto na Câmara?
Quando você recua de uma ideia, eu não vejo nenhum demérito. Na democracia é assim, você pode… Eu já vi tanta gente na área econômica, e nos governos anteriores, recuar de determinadas medidas. Depende do diálogo que é feito para a sociedade. Portanto, eu acho que isso não é motivo para desgastar o ministro Haddad. O Haddad ele deu conta e muito bem de um país dilacerado economicamente, e ele colocou de pé.
Por todas as medidas que nós aprovamos aqui, devemos muito ao ministro Haddad. Da reforma tributária à PEC da Transição, que muitos desconfiavam que nós não íamos aprovar. Haddad resolveu o déficit que era de 2% do PIB no governo Bolsonaro para praticamente zero. Agora, portanto, é um ministro que tem muita responsabilidade fiscal com o país. Ele precisa ser fortalecido cada vez mais para poder encaminhar as matérias de interesse do governo aqui dentro.
Há outra pauta que desejo incluir, que é rever o caixa preta dos incentivos fiscais. O Brasil precisa de recursos. Olha o dilema: o governo tem que manter o arcabouço, conforme o Haddad tem dito, e ao mesmo tempo precisa ampliar a taxa de investimento público naqueles programas que são fundamentais. E toda vez que vem um projeto para cá tem um rombo fiscal. Todo mundo fala em defender o arcabouço, mas quando vem um projeto é a maior dificuldade de você mostrar que ele está tendo impacto nas contas públicas.
Acho que chegou a hora do Brasil enfrentar esse debate. Não é razoável nós termos, em 2024, quase R$ 600 bilhões de renúncia fiscal com os incentivos são dados. Não é razoável para o Brasil, com os problemas que nós temos. Portanto, essa caixa preta precisa ser revista.
Metrópoles – É uma avaliação do Planalto ou sua?
Muita gente [no governo] fala, mas quero dar corpo a ela. Quero fazer e vou defender junto ao Planalto para que o governo enfrente essa discussão, pois ela é central para termos recursos para investimento e resolver as pendências, e até para manter o equilíbrio das contas.
Metrópoles – Também para este ano?
Guimarães – Claro.
Metrópoles – O senhor falou sobre fortalecimento do Haddad, mas há, por outro lado, o enfraquecimento da ministra Marina Silva. A votação do licenciamento mostrou um isolamento grande do PT nessa defesa da ministra, pois outros partidos que fazem parte da base do governo votaram a favor desse projeto que afrouxa as regras de licenciamento. Ministérios da área econômica se posicionaram a favor e o ministério dela se posicionou contra. Ela está de fato isolada?
Guimarães – Há uma divergência de percepção. A avaliação majoritária no Congresso, dos setores de direita e do agro, que não compartilham a mesma opinião da ministra Marina. Mas isso não significa que ela esteja fraca ou desgastada. O governo tem seus ritos e a gente espera que, até pela referência que ela é, qualquer pessoa de sã consciência sabe que o agronegócio do Brasil, muitas vezes, pelo que Lula fez nos governos anteriores, é injusto com o Lula.
Nunca vi um governo que tenha ajudado tanto o agro como o governo Lula. E o agro resolveu ser um instrumento de enfrentamento ao governo. Só quem perde com isso é o agro. Isso não é bom para o Brasil nem para eles.
Metrópoles – O Supremo Tribunal Federal (STF) acatou um pedido para incluir o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) no inquérito das fake news e numa ação penal envolvida na articulação golpista. Em que isso impacta a relação da Câmara com o STF?
Guimarães – Não queria misturar essa relação. Eu estou falando como líder do governo, da relação do governo com a Câmara. Mas acho, e tenho participado de algumas conversas, que tem que ter um freio de arrumação, entre o Poder Legislativo e o Supremo. No sentido da relação, de redefirnir as competências com clareza de cada um, para ninguém invadir competência privativa do outro.
Portanto, eu acho que é preciso esse freio de arrumação. Sobre os processos, a justiça existe para isso. Você tem processo, pede, investiga… Eu não quero entrar no mérito. Eu só tenho uma tese: quem atenta contra o Estado Democrático de Direito e contra as instituições, como aconteceu no dia 8 de Janeiro, precisa, evidentemente, ser punido.
Todo mundo diz defender, quando toma posse, levanta a mão e diz “eu prometo defender a Constituição brasileira e as leis do país”. É bonito isso. Todo mundo levanta a mão no Plenário Ulysses Guimarães, e depois muitos não a cumprem.
A Constituição é maior do que o mandato, que o Parlamento, ela que rege. Portanto, quem comete crime contra a democracia tem que ser investigado e ser punido. É o que eu defendo, seja para Eduardo Bolsonaro ou para qualquer outro, para qualquer um de nós que atente contra os princípios fundantes do Estado Democrático de Direito.
Metrópoles – Outro tema ideológico é a questão da anistia. Na última reunião, Hugo Motta sinalizou que não estava muito disposto a pautar em plenário e tentou uma saída via comissão especial. O governo toparia essa proposta?
Guimarães – Esse é um tema que diz respeito à democracia, e nós não podemos aceitar anistia ampla, geral e irrestrita, como eles fizeram no projeto do [Alexandre] Ramagem, e como querem fazer no PL que está tramitando aqui dentro. Rever, modular a dosimetria das penas daqueles que participaram, muitas vezes sem saber porque estavam participando, é correto. Tudo isso o Supremo pode rever.
Mas teve comando desse negócio. Quem comandou, articulou, ordenou e quem estava preparando um plano para matar o presidente da República, anular as eleições, prender ministro, matar, o vice-presidente da República e dar um golpe não pode ter anistia. Do jeito que eles querem, não pode.
Eu tenho conhecimento que os dois presidentes [Motta e Davi Alcolumbre, do Senado] estão discutindo com o Supremo. Não sei ainda o resultado disso para se fazer uma remodelagem. Mas anistia para quem cometeu crime, como eu disse, que organizou, que trabalhou, que editou decreto, que financiou, que fez toda a patifaria que foi feita no dia 8 de janeiro, não pode receber anistia do Congresso Nacional.
Metrópoles – Então a posição é contra essa anistia ampla, geral e irrestrita, mas não contra uma comissão especial para debater o tema?
Guimarães – Eu até acho que pode ser.