Gilmar Mendes é imbatível. Ele foi o que mais concedeu habeas corpus em decisões monocráticas nos últimos dez anos. O ministro acha que as prisões se tornaram um espetáculo no Brasil e defende a concessão de habeas corpus em determinados casos. Ele assinou, sem levar o caso a Plenário, 620 HCs.
Quem é que precisa de um juiz de garantias para se livrar da cadeia?
Entre 2009 e 2015, Gilmar havia concedido 50 habeas corpus em decisões monocráticas. No ano seguinte, foram 61. O salto coincide com o julgamento da descriminalização do porte e consumo de drogas, que teve início em agosto de 2015. Relator da ação, o ministro registrou, em seu voto, que a posse de drogas para consumo pessoal não deve ser criminalizada. Para ele, os casos deveriam ser tratados nas esferas cível ou administrativa – e não na penal.
Para Gilmar, a criminalização “conduz à ofensa à privacidade e à intimidade do usuário”, pois desrespeita a “decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde”. O julgamento foi interrompido em setembro daquele ano, após Teori Zavascki, que morreu em janeiro de 2017, ter pedido vista.
Além de Gilmar, também votaram os ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Ambos concordaram com a descriminalização, mas apenas para a maconha. O caso está, agora, no gabinete do ministro Alexandre de Moraes. Ainda não há data para que ele seja retomado.
Em 2018, mais da metade dos pedidos atendidos por Gilmar envolviam crimes de tráfico de drogas. Enquanto isso, casos de crimes de colarinho branco, como lavagem de dinheiro, corresponderam a menos de 11%.
Em novembro deste ano, Gilmar adotou entendimento semelhante ao julgar um habeas corpus de uma mulher condenada a seis anos de prisão por portar 1 grama de maconha. O voto dele foi seguido pela Segunda Turma, que anulou a sentença e absolveu a mulher.
Procurado pela reportagem, o ministro Gilmar Mendes não quis se pronunciar sobre o levantamento.
Jurisprudência
Em 2019, 4.323 habeas corpus chegaram ao Supremo. Desse total, 807 foram concedidos de forma monocrática em parte ou em sua totalidade. Gilmar foi responsável por 250 deles.
Professor da Universidade Mackenzie e advogado criminalista, Rogério Cury, afirma que muitos habeas corpus chegam ao Supremo porque juízes de instâncias inferiores deixam de aplicar a jurisprudência. “Os tribunais de instâncias inferiores deveriam ficar atentos à jurisprudência com maior observância e, talvez, tivéssemos um número menor de HCs no STF. As pessoas só chegam no Supremo porque não conseguiram êxito em outras instâncias, mesmo tendo esse direito”, disse.
O advogado Edson Knippel, também professor do Mackenzie, lembra que o habeas corpus é previsto em lei para garantir o direito à liberdade. Segundo ele, ao conceder as medidas, o STF tem resguardado essa prerrogativa. “Do ponto de vista jurídico, temos uma não-aplicação do texto constitucional pelas instâncias inferiores.
O processo penal acaba não sendo efetivado pelos órgãos de primeira e segunda instância em muitos estados. Então talvez não haja excesso de HCs, mas de descumprimento da jurisprudência nos tribunais”.
Alguns dos beneficiados com habeas corpus concedidos por Gilmar Mendes na Lava Jato em 2018:
Sérgio Côrtes
No início de fevereiro, Gilmar Mendes decidiu soltar o ex-secretário de Saúde do Rio Sérgio Côrtes, que comandou a pasta durante o governo de Sérgio Cabral (MDB-RJ) e foi preso na Operação Lava-Jato. O ministro substituiu a prisão por medidas cautelares.
Condenados em 2ª instância
Em 5 de março, o ministro do STF concedeu habeas corpus contra execução da pena de quatro réus que haviam sido condenados em 2ª instância. Os beneficiados — Daniel dos Santos Moreira, Eliezer dos Santos Moreira, Raniery Mazzilli Braz Moreira e Maria Madalena Braz Moreira — estão entre os alvos da Operação Catuaba, que investiga suposto esquema de sonegação fiscal no setor de bebidas em nove Estados.
Celso Luiz Tenório Brandão
O ex-prefeito de Canapi, Alagoas, foi beneficiado com habeas corpus concedido pelo ministro em meados de abril. Brandão foi denunciado por organização criminosa, peculato e lavagem de dinheiro. Ele teria cometido os crimes enquanto comandava o Executivo municipal. Na decisão, Gilmar atacou o que chama de “abusos relativos a decretações de prisões desnecessárias”.
Milton Lyra
O empresário Milton Lyra, apontado como um dos operadores do MDB, foi beneficiado com habeas corpus concedido por Gilmar Mendes no dia 15 de maio. Lyra é apontado pela Polícia Federal (PF) como lobista do partido em um bilionário esquema de fraudes com recursos de fundos de pensão Postalis, dos Correios, e no Serpros.
Marcelo Sereno
Três dias após conceder hábeas a Lyra, Gilmar estendeu o benefício a outros quatros presos. Entre eles estava Marcelo Sereno, braço direito do ex-ministro José Dirceu na Casa Civil do governo de Luiz Inácio Lula da Silva e ex-secretário nacional de Comunicação do PT.
César Rubens de Carvalho
No fim de maio, Gilmar mandou soltar César Rubens de Carvalho, ex-secretário de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro. Carvalho é um dos alvos da Operação Pão Nosso, desdobramento da Lava-Jato que investiga desvios em contratos da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap).
Sérgio Roberto Pinto da Silva
O doleiro, que também é um dos alvos da Operação Pão Nosso, foi beneficiado com habeas corpus na mesma decisão que garantiu liberdade ao ex-secretário de Administração Penitenciária do Rio.
Paulo Preto
Em 30 de maio, o magistrado mandou soltar pela segunda vez o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto, apontado como operador do PSDB. A decisão foi proferida poucas horas após Souza ser preso novamente por determinação da 5ª Vara Federal de São Paulo.
Orlando Diniz
Gilmar mandou soltar o ex-presidente da Fecomércio-RJ Orlando Diniz. O ex-dirigente havia sido preso em fevereiro, durante investigações de desvio de recursos da Fecomércio, lavagem de dinheiro e pagamento em honorários advocatícios com recursos da entidade.
Câmbio Desligo
Na última segunda-feira (4), o STF informou que Gilmar mandou libertar quatro doleiros presos na Operação Câmbio Desligo, que apura lavagem de dinheiro e de remessa irregular de recursos para o Exterior. Rony Hamoui, Paulo Sérgio Vaz de Arruda, Oswaldo Prado Sanches e Athos Roberto Albernaz Cordeiro — que atuava no Rio Grande do Sul — foram beneficiados com habeas corpus. Nesta terça-feira (5), o ministro também decidiu soltar o doleiro Antônio Claudio Albernaz Cordeiro, conhecido como Tonico, irmão de Athos.