O caso contra a enfermeira Lucy Letby está perdendo força. Embora ela tenha sido condenada por matar sete bebês e por tentar assassinar outros sete, apenas um membro da equipe do Hospital Countess of Chester, em Chester, Reino Unido, afirma tê-la visto agir de forma suspeita.
O depoimento do médico Ravi Jayaram foi fundamental durante os julgamentos sobre a tentativa de homicídio do bebê conhecido como “Bebê K”. Após discordância do primeiro júri, Letby foi condenada e sentenciada à prisão perpétua pelo crime, em julho de 2024.
Entenda
- O caso contra a enfermeira Lucy Letby, condenada por matar sete bebês e tentar assassinar outros sete, no Reino Unido, enfrenta questionamentos devido a novas evidências.
- O depoimento crucial do médico Ravi Jayaram sobre a tentativa de homicídio do Bebê K está sob questionamento após a descoberta de um e-mail contraditório. Neste e-mail, Jayaram sugeriu inicialmente que Letby o havia chamado para ajudar o Bebê K, ao contrário de seu testemunho posterior.
- Essa prova, que poderia ter beneficiado a defesa de Letby, só foi revelada tardiamente. A ausência dessa informação nos julgamentos levanta dúvidas sobre a solidez da acusação, baseada principalmente na presença de Letby durante eventos adversos com os bebês.
O pilar central da acusação é a alegação de que ela estava sempre presente quando os bebês morriam ou desmaiavam inesperadamente. Porém, as evidências médicas, que têm sido alvo de constantes críticas de especialistas britânicos e internacionais, afirmam que nenhuma das crianças foi deliberadamente ferida.
De acordo com o depoimento de Jayaram, ao entrar em uma sala onde Letby estava sozinha com o Bebê K, ele descobriu que os níveis de oxigênio da criança haviam despencado porque seu tubo de respiração havia sido deslocado, e que a enfermeira estava de pé ao lado do berço do bebê, sem acionar o alarme. “Lucy Letby estava parada ao lado da incubadora. Ela não estava olhando para mim. Ela não estava com as mãos na incubadora”, disse ele ao tribunal durante o segundo julgamento.
Um e-mail enviado por Jayaram a outros médicos sugere que Letby havia ligado para ele pedindo ajuda, e que foi por isso que ele foi ver Bebê K. Essa era uma prova passível de absolvição que poderia ter ajudado a equipe de defesa de Letby, mas seus advogados não foram informados sobre o e-mail antes de nenhum dos dois julgamentos. A prova só foi revelada a eles no final de setembro do ano passado.
Nascido com 25 semanas em 17 de fevereiro de 2016, o Bebê K teve dificuldade para respirar e foi colocado em ventilação mecânica. Jayaram foi interrogado pela primeira vez pela polícia em setembro de 2017 sobre o aumento de mortes neonatais na unidade de Letby. Ele se lembra de ter ido verificar o Bebê K sem ser solicitado, dizendo: “Eu não tinha entrado porque tinha sido chamado. Entrei só para verificar”.
Em diversos depoimentos à polícia e no tribunal, Jayaram repetiu a alegação de que ninguém havia o avisado sobre o problema antes de entrar no quarto do Bebê K. Em uma declaração em 2018, ele disse que, normalmente, quando o nível de oxigênio de um bebê caía, uma enfermeira “vinha procurar um médico para ajudar”, mas Letby “não me chamou”.
Segundo julgamento
Durante o segundo julgamento de Letby, o médico Ravi Jayaram disse que, quando soube que outra enfermeira que estava cuidando do Bebê K o deixaria sozinho com Letby para falar com os pais da criança, ele ficou profundamente preocupado. “Tivemos uma série de incidentes incomuns com bebês”, e ele “observou a associação com a presença de Lucy Letby”.
Isso o deixou “muito desconfortável”, razão pela qual foi até o quarto onde estava Bebê K. Lá, o médico viu que o bebê estava dessaturando, enquanto Letby não fazia nada para ajudá-lo. O advogado de acusação Nick Johnson KC perguntou a Jayaram: “Você ouviu algum pedido de ajuda de Lucy Letby?” Sua resposta: “Não, de jeito nenhum”.
A promotoria afirmou que Letby havia deslocado deliberadamente o tubo de respiração, e que Jayaram a pegou “praticamente em flagrante”. Mais tarde, Jayaram disse que gostaria de ter relatado o incidente na época: “Fico acordado pensando nisso… Eu deveria ter sido mais corajoso.”
Contradição
No entanto, em seu primeiro relato sobre a dessaturação do Bebê K, Jayaram escreveu que o verdadeiro motivo para ter ido verificar a situação era que a própria Letby havia dado o alarme e pedido ajuda a ele, diferentemente do que foi dito sobre ele se sentir desconfortável pela bebê estar sozinha com Letby.
Ele expôs isso em um e-mail enviado a sete de seus colegas em 4 de maio de 2017. O “timing” foi significativo. Em julho do ano anterior, Letby havia sido transferida para o trabalho administrativo devido a preocupações levantadas por Jayaram e outros médicos. Ela também havia apresentado uma queixa por bullying e assédio.
Sobre o motivo de Jayaram ter contado outra história, o médico conta no e-mail que foi “para despertar o interesse da polícia”. Para isso, sugeriu que os médicos deveriam “destacar explicitamente, nesses casos, que a enfermeira estava presente e próxima das incubadoras (nessas situações, sabemos com certeza que ela estava)”.
O e-mail de Jayaram descreveu a deterioração do Bebê K e sugeriu que Letby havia informado sobre os baixos níveis de oxigênio — um detalhe que parece conflitar com seu depoimento posterior.
Depois que a outra enfermeira saiu do quarto, ele escreveu: “A enfermeira Letby [estava] na incubadora e ligou para o Dr. Jayaram para informá-lo sobre as baixas saturações”. Ele também escreveu que a morte subsequente do bebê era consistente com complicações de prematuridade extrema. A parte do e-mail sobre o Bebê K não foi incluída no relatório final da polícia.
Defesa não sabia do e-mail
O e-mail de Jayaram não foi divulgado à defesa antes do julgamento de Letby. Em outros documentos vistos pelo site UnHerd, a Polícia de Cheshire e o Ministério Público da Coroa afirmam que só tomaram conhecimento do e-mail em agosto de 2024 — um mês após Letby ter sido condenada por tentativa de homicídio do Bebê K.
No entanto, os documentos afirmam que o e-mail foi fornecido ao Inquérito Thirlwall, mas não foi considerado pela investigação. Perguntamos aos investigadores se eles haviam recebido o e-mail antes ou depois do segundo julgamento de Letby, mas um comentário sobre o assunto foi negado.
Somente no final de setembro, a antiga equipe de defesa de Letby recebeu informações da Operação Duet, com o inquérito policial sobre possível homicídio culposo por negligência grave ou empresarial na unidade hospitalar de Chester. O e-mail do doutor Jayaram será adicionado ao dossiê apresentado pelo advogado de Letby, Mark McDonald, à Comissão de Revisão de Casos Criminais, que está sendo solicitada a remeter o caso ao Tribunal de Apelação.
Jayaram não respondeu a um pedido de comentário. Um porta-voz do Hospital Countess of Chester disse ao site UnHerd que “Devido ao Inquérito Thirlwall e às investigações policiais em andamento, não seria apropriado fazer mais comentários neste momento.”