A morte do papa Francisco nessa segunda-feira (21/4), aos 88 anos, abre um vácuo geopolítico de grande relevância, segundo analistas. Durante seus 12 anos de papado, Francisco foi um líder muito ativo, mediador de conflitos e defensor da paz mundial.
Na última mensagem do papa Francisco aos fiéis, nesse Domingo de Páscoa (20/4), o pontífice fez um apelo por um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza. O papa revelou em 2024 que ligava quase todas as noites para uma paróquia em Gaza durante o conflito com Israel.
“Faço um apelo às partes em conflito: declarem um cessar-fogo, libertem os reféns e venham ajudar um povo faminto que aspira a um futuro de paz”, clamou ele no último domingo.
O padre Gabriel Romanelli, que lidera a paróquia de Gaza, contou que falou com o papa, pela última vez, no sábado (19/4). “Esperamos que os apelos que ele fez sejam atendidos: que as bombas sejam silenciadas, que esta guerra termine, que os reféns e prisioneiros sejam libertados e que a ajuda humanitária à população possa ser retomada e chegar de forma consistente”, disse Romanelli ao Vatican News.
Francisco também buscou mediar o conflito entre Rússia e Ucrânia, se reunindo tanto com o chefe do Kremlin Vladimir Putin quanto com o ucraniano Volodymyr Zelensky. Em 2022, ele afirmou que considerava o então recém iniciado conflito uma terceira guerra mundial.
“Em um século, três guerras mundiais! A de 1914-1918, a de 1939-1945, e esta! Esta é uma guerra mundial, porque é verdade que, quando os impérios, seja de um lado, seja do outro, se enfraquecem, precisam fazer uma guerra para se sentirem fortes e também para vender armas! Porque hoje creio que a maior calamidade que existe no mundo é a indústria das armas”, destacou.
Além desses conflitos, o papa também era vocal contra as guerras no Sudão, no Congo, no Líbano, no Iêmen e na Síria. “Rezamos pelo fim dos combates em todas as frentes e por um passo decisivo em direção à paz e à reconciliação”, disse Francisco em missa realizada no primeiro dia de 2025.
Relembre a trajetória do papa Francisco
- Francisco foi o primeiro papa latino-americano, sucedendo Bento XVI após a renúncia.
- Jorge Bergoglio nasceu em Buenos Aires, na Argentina, em 17 de dezembro de 1936, filho de imigrantes italianos.
- Formado em química, decidiu seguir a vida sacerdotal aos 20 anos, em 1958.
- Papa Francisco lecionou na Faculdade de São Miguel e obteve doutorado em teologia pela Universidade de Freiburg, na Alemanha.
Para Fabio Andrade, cientista político e professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o pontífice foi, ao longo de seu papado, um contraponto importante a duas forças em ascensão no mundo: o conservadorismo político de viés reacionário e a radicalização de uma economia global cada vez mais desregulada.
“Com sua ausência, existe o risco de fortalecimento de lideranças nacionais mais conservadoras, especialmente em contextos em que essas forças já estão em expansão”, avaliou Andrade.
Um desses líderes que busca protagonismo no cenário pós-papa Francisco é o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Como mostrado pelo Metrópoles, Trump tem católicos em cargos chave da administração e, segundo a imprensa americana, tem interesse no conclave que vai eleger o novo pontífice.
O presidente americano, inclusive, já anunciou que irá ao funeral do papa, em Roma. O Vaticano anunciou, nessa terça-feira (22/4), que o funeral do pontífice será no sábado (26/4), às 10h no horário de Roma (5h em Brasília).
Próximo conclave
Diante desse cenário, o próximo conclave terá papel estratégico não apenas para os rumos da Igreja Católica, mas também no xadrez político internacional. “A escolha do novo papa poderá indicar uma continuidade no legado progressista de Francisco ou uma guinada rumo a posturas mais rígidas, alinhadas a setores conservadores dentro da própria Igreja”, completou o professor.
Como será o conclave
- 135 cardeais com poder de voto no Colégio de Cardeais, e com menos de 80 anos, são reunidos na Capela Sistina, no Vaticano, para que escolham o novo papa por meio de votação.
- Do total de cardeais eleitores, cinco (3,7%) foram indicados pelo papa São João Paulo II, 22 (16,3%) foram indicados pelo papa Bento XVI e 108 (80%) foram indicados pelo papa Francisco.
- Um cardeal precisa obter 2/3 dos votos para se tornar o novo líder da Igreja Católica. As votações são repetidas até que um cardeal alcance esse número de votos.
- A cada votação, os votos são queimados e depositados em uma chaminé da Capela Sistina, que indica ao mundo o resultado do pleito.
- Caso a fumaça saia preta, o colegiado ainda não chegou a um consenso sobre o novo papa. O novo líder da Igreja Católica é anunciado quando uma fumaça de cor branca for emitida.
Embora Francisco tenha nomeado a maioria dos cardeais atualmente aptos a votar, o que sugere a possibilidade de um sucessor com perfil semelhante ao seu, o colégio cardinalício é formado por diversas correntes ideológicas, o que torna o resultado do conclave imprevisível.
Para o sociólogo Paulo Ramirez, professor do curso de Ciências do Consumo da ESPM, a Igreja Católica tem adotado, desde a eleição de Francisco, um posicionamento crítico frente às interpretações mais conservadoras que vêm ganhando espaço no mundo.
“A eleição do papa Francisco [em 2013] se deu num momento de ascensão da extrema-direita, e sua liderança refletiu uma aproximação com pautas tradicionalmente caras à Igreja, como a inclusão de pessoas LGBTQIA+, além de críticas contundentes às políticas anti-imigração, ao tratamento dado aos refugiados e à escalada de conflitos armados”, explicou o professor.
Segundo Ramirez, com o avanço da extrema direita em escala global, especialmente com o protagonismo da direita norte-americana, o Vaticano tende a buscar um nome que se oponha de forma clara às visões anti-humanistas em alta.
“Não se trata necessariamente da escolha de um papa africano ou asiático, mas de alguém capaz de representar uma resistência firme a esse movimento conservador”, concluiu.
Brasil se preocupa
Nessa terça-feira (22/4), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse que o mundo precisa voltar a uma certa normalidade. “O mundo não pode ser induzido à raiva, ao ódio, ao preconceito, à perseguição. Não tem lógica. Eu espero que com a morte do papa Francisco isso possa representar algum sinal de que os seres humanos precisam mudar para melhor”, afirmou o presidente no Palácio Itamaraty.
Já na própria segunda-feira, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) ressaltou ao Metrópoles que o pontífice foi “um construtor de pontes entre os povos”, que pregava o diálogo. Ele disse esperar que o próximo pontífice continue o “bom trabalho” de Francisco.
“Foi o papa dos exemplos. Fica essa grande mensagem: não à prepotência e sim ao diálogo, à construção de pontes”, resumiu Alckmin.
A atual gestão petista, inclusive, tenta se colocar como mediadora de conflitos. Ao lado da China, o Brasil apresentou uma proposta de paz para a Rússia e a Ucrânia. A guerra na região já se arrasta por três anos.
O texto pedia uma desescalada nas tensões até que chegue a um cessar-fogo abrangente, além de condenar o uso de armas de destruição em massa, inclusive, nucleares, químicas e biológicas.
Os países ainda ressaltam a necessidade de aumentar a assistência humanitária na região. Por fim, defendem a realização de uma conferência internacional de paz, reconhecida pelos países envolvidos no conflito.
A proposta, no entanto, foi criticada pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, que a classificou como “destrutiva”. Em setembro de 2024, o líder ucraniano disse que os esforços brasileiros de tentar encontrar solução pacífica para a guerra são inúteis, pois Vladimir Putin – classificado por ele como um “assassino” — não dá sinais de que pretende dar um fim ao conflito.