O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, desde que assumiu seu segundo mandato no cargo, estipulou como política econômica internacional a taxação de países mundo afora. No entanto, nos últimos dias, desde a Cúpula do Brics no Rio de Janeiro, o foco tarifário do presidente norte-americano se voltou ao bloco, que reúne Brasil e parceiros como Rússia, China e Índia.
No encerramento da cúpula deste ano, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reforçou sua defesa da adoção de meios alternativos ao dólar no comércio entre os membros do bloco. Países do Brics têm negociado, por exemplo, o uso de moedas locais no comércio internacional para reduzir a dependência da moeda norte-americana. Diante desse posicionamento, o republicano imediatamente postou que iria taxar em 10% todos os países do bloco.
Um dia após a fala de Lula (9/7), Trump taxou o Brasil em 50%. Nessa segunda-feira (14/7), ele ameaçou taxar em 100% a Rússia. A China chegou a ser alvo de tarifas de 140%, que, após rodadas de negociação foram reduzidas – por enquanto – a 30%.
Tarifaço de Trump
- Desde a semana passada, Trump tem notificado oficialmente os países do mundo sobre a implementação de tarifas unilaterais na importação de produtos e bens. Com as cartas para México e UE, no sábado, 24 parceiros foram taxados, incluindo a União Europeia.
- O Brasil foi o mais atingido pela sanção comercial de Trump, com uma tarifa de 50%. O governo federal tem protestado e defendido a soberania nacional, mas também quer negociar com os norte-americanos.
- Trump ameaçou, nessa segunda-feira (14/7), taxar em 100% a Rússia.
- Todas as tarifas entram em vigor a partir de 1º de agosto.
Marcello Marin, mestre em Governança Corporativa e especialista em recuperação judicial, explica que a ofensiva de Trump é, “acima de tudo, uma resposta estratégica ao avanço político e retórico dos países do Brics, especialmente após declarações sobre a desdolarização e a criação de uma moeda própria do bloco”.
Segundo Marin, o problema não foi apenas a ideia da nova moeda, mas o tom provocativo de alguns líderes – o que forneceu a Trump o pretexto político perfeito para agir. “Ele vê qualquer tentativa de reduzir o poder do dólar como uma ameaça direta à influência global dos EUA. Ao mirar China, Rússia e Brasil, ele tenta desmobilizar essa articulação antes que ganhe tração real”, destaca o analista.
Já o economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena avalia que o dólar é a reserva mundial de valor e a tentativa de minar essa posição é um movimento complexo para quem tenta. “Não há ganho algum para o Brasil nisso. A China se beneficia, porque consegue ajudar seus parceiros sancionados, e a própria Rússia já não consegue mais operar em dólar. Então, essa tentativa do Brasil é, de fato, muito negativa”, diz.
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Impacto Trump
Marcello Marin explica que Trump aposta que a pressão econômica, via tarifas, “vai forçar concessões individuais. Mas esse tipo de abordagem tende a produzir o efeito oposto”. Os países do Brics já demonstraram disposição de se aproximar justamente por se sentirem pressionados ou marginalizados pelo sistema liderado pelos EUA.
“A tarifa vira um fator unificador. Além disso, a China e a Rússia, com forte peso dentro do bloco, têm incentivos claros para impulsionar uma agenda de integração mais robusta como forma de se blindar de sanções futuras”, destaca Marcello.
No entanto, Igor Lucena destaca que em caso de países com a Índia a situação pode ser diferente. O país liderado por Narendra Modi negocia um acordo de tarifas abaixo de 20% com os Estados Unidos.
De acordo com Marcello apesar das diferenças entre Brasil e Rússia – principalmente no que diz respeito à capacidade de enfrentar sanções -, ambos compartilham o interesse de se afirmar como potências regionais independentes. Uma resposta dura de ambos, ainda que em tons diferentes, representa um desgaste para os EUA. Para Trump, isso dificulta a narrativa de que suas tarifas “colocam a América em primeiro lugar. No cenário internacional, o risco é o de um realinhamento global que acelere o declínio da influência americana nos fóruns multilaterais e no comércio internacional”.
Igor Lucena ressalta que, no caso de uma resposta brasileira, os impactos ao Brasil seriam bem maiores que à Rússia ou à China, visto ao tamanho da economia de ambos.
“Agora, essa posição do Brasil de não ceder é ainda mais preocupante, porque os Estados Unidos podem retaliar. Se o Brasil responder com medidas como patentes ou tarifas, os americanos podem elevar as tarifas para até 100%, o que seria péssimo para a indústria brasileira. Hoje, mais de 18% das nossas exportações vão para os Estados Unidos. O Brasil não tem musculatura, como a China, para enfrentar esse tipo de embate direto. É, de fato, uma situação extremamente prejudicial”, afirma Igor.
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O presidente Lula
Paulo Mumia/BRICS Brasil2 de 17
Foto oficial das autoridades no Brics
Ricardo Stuckert / PR3 de 17
Putin
Reprodução/Kremlin4 de 17
Brics Brasil5 de 17
Lula recebeu o presidente da Nigéria, Bola Tinubu, à margem do Brics
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Príncipe Herdeiro de Abu Dhabi, Xeique Khaled bin Mohamed bin Zayed Al Nahyan, também conversou com o petista
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Lula e o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed Ali
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Presidente também conversou com premiê da China, Li Qiang
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Reunião com o primeiro-ministro do Vietnã, Pham Minh Chinh
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Chefes de Estado reunidos para a cúpula do Brics no Rio de Janeiro
Isabela Castilho | BRICS Brasil11 de 17
Ricardo Stuckert/PR12 de 17
Dilma Rousseff
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Presidente Lula em reunião do Novo Banco de Desenvolvimento
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Marcos Oliveira/Agência Senado15 de 17
Presidente dos EUA, Donald Trump
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Governo dos Estados Unidos17 de 17
Trump e Jair Bolsonaro
Chris Kleponis-Pool/Getty Images
Cortina de fumaça
Trump usou como argumento para impor tarifas ao Brasil e ameaçar a Rússia elementos alheios ao Brics. Com o Brasil, citou o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposta tentativa de golpe de Estado. Com a Rússia, a continuidade da guerra na Ucrânia. Diante disso, Marcello afirma que esses argumentos “são essencialmente cortinas de fumaça”.
“Esses temas servem para justificar a retórica agressiva perante o eleitorado norte-americano, mas o pano de fundo real é econômico e geopolítico. Trump precisa demonstrar força diante do avanço do Brics, e, ao mesmo tempo, quer encontrar meios de gerar receita para reduzir o déficit fiscal dos EUA sem aumentar impostos ou cortar benefícios – medidas que o tornariam impopular. As tarifas servem como um instrumento duplo: punem adversários estratégicos e arrecadam recursos internos, com custo político menor dentro do país”, explica Marcello.
Segundo Igor Lucena, “obviamente, há algum benefício para o ex-presidente Bolsonaro do ponto de vista geopolítico, mas o principal objetivo das tarifas mais altas é comercial: abrir de forma radical o mercado brasileiro para os produtos americanos”.
Impactos econômicos
Segundo Marcello Marin, se os países não cederem a pressão do Trump e as tarifas entrarem em vigor “o impacto imediato será sentido nas exportações, nos preços e nas cadeias de suprimento – especialmente para países mais integrados ao mercado americano, como o Brasil”.
“Mas, estrategicamente, o Brics pode sair fortalecido se usar o momento para aprofundar seus mecanismos de cooperação e avançar em frentes como a compensação em moedas locais, infraestrutura financeira comum e investimentos cruzados. O maior risco para os EUA, nesse cenário, é acelerar um processo de dissociação global que enfraquece o próprio dólar como moeda dominante”, destaca Marcello.
Igor Lucena, no entanto, ressalta que o impacto do bloco econômico é muito grande. O Brasil deve tentar reduzir essas tarifas nos próximos dias, antes do primeiro de agosto, com outros países. “Os Brics hoje são muito mais sensíveis ao que acontece nos Estados Unidos, e acredito que não conseguirão manter uma unidade ou uma expansão coesa”, diz o especialista.
“Essa tentativa de expansão está muito mais baseada em uma projeção de poder da China, que, neste momento, está mais preocupada em manter uma boa relação com o Brasil do que em alavancar um conflito. Do meu ponto de vista, o Brasil desempenhou um papel e está sendo punido por isso – um papel que atendeu mais aos interesses da China e da Rússia do que aos seus próprios, o que é extremamente negativo”, conclui Igor Lucena.