O Ministério Público Federal (MPF), por meio da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), emitiu nota técnica sobre projetos de lei que visam restringir o uso de banheiros e outros espaços a pessoas transexuais, travestis e de gênero diverso. Foram identificadas pelo menos 60 proposições com potencial discriminatório em âmbito federal, estadual e municipal.
Elaborado pelo Grupo de Trabalho “População LGBTQIA+: proteção de direitos”, o documento destaca que as proposições legislativas violam princípios constitucionais e tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário, ao promoverem a segregação e a discriminação dessa população.
Linguagem neutra
- O MPF menciona pesquisa que identificou 60 projetos de lei com potencial discriminatório. Os temas variam entre a proibição de linguagem neutra, a limitação de acesso a tratamentos médicos de transição para crianças e adolescentes, a exclusão de pessoas trans em esportes e a vedação à instalação de banheiros unissex.
- A PFDC alerta que a proibição do uso de banheiros conforme a identidade de gênero acarreta graves consequências físicas e psicológicas.
- Reforça que o medo de sofrer humilhações e violências faz com que muitas pessoas trans evitem frequentar banheiros públicos, o que, segundo estudos, pode resultar em problemas de saúde como infecções urinárias, doenças renais e impactos significativos à saúde mental.
Crianças e adolescentes
Entre os principais argumentos nos projetos de lei restritivos identificados está a suposta proteção à integridade de crianças e adolescentes, bem como a defesa da privacidade de mulheres cisgênero.
Os autores dos documentos alegam que a permissão para que as pessoas entrem nos banheiros com base em sua identidade de gênero e não no sexo de nascimento dá aos predadores sexuais a oportunidade de explorar as circunstâncias e cometer “voyeurismo”, estupro, assédio e violência sexual.
A PFDC, no entanto, refuta essas justificativas, apontando que associar pessoas trans a riscos ou condutas criminosas é infundado e estigmatizante. Também afastam o argumento de que mulheres trans são “homens disfarçados” e que homens trans são “mulheres disfarçadas”.
No documento, o MPF ressalta entender que presumir má-fé de pessoas trans no uso de espaços públicos viola diretamente os princípios da dignidade humana e da igualdade previstos na Constituição, que também determina como objetivos, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que promova o bem de todos, sem qualquer forma de preconceito ou discriminação, de forma a garantir a igualdade.
Identidade de gênero
A nota da PFDC também destaca que a identidade de gênero é uma construção social e que o sexo biológico não deve ser o único parâmetro para definir o acesso a espaços públicos. “As pessoas trans têm o direito de serem tratadas conforme sua identidade de gênero, independentemente do sexo atribuído ao nascimento”, diz a nota.
Nesse sentido, o MPF destaca ainda que o direito fundamental à identidade de gênero já é reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como parte do direito à personalidade da pessoa humana.