“Ecossocialismo: a ideologia que se disfarça de verde para destruir o capitalismo”

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Unindo socialismo e ecologia, o ecossocialismo tem a ver com o surgimento do movimento ambientalista e também busca debater os usos do meio ambiente sob a ótica da esquerda. A base da ideologia é uma perspectiva que considera outras espécies, animais e vegetais, além de ecossistemas naturais, como parceiros dos seres humanos para um futuro coletivo anticapitalista.

Assim como o socialismo tradicional, o ecossocialismo afirma que o capitalismo é um desvio destrutivo para a sociedade e também para outros seres vivos e o meio ambiente. Sob a premissa de combater a destruição do meio ambiente, o objetivo é desafiar e, em última instância, assumir o controle do Estado.

Michael Löwy, professor na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales em Paris e um dos principais promotores do ecossocialismo, defende que o capitalismo é incompatível com a sustentabilidade. A alternativa viável, segundo ele, é o ecossocialismo. “O ecossocialismo oferece uma alternativa radical que coloca o bem-estar social e ecológico em primeiro lugar”, afirma.

Oposição ao capitalismo

De acordo com o ecossocialismo, o objetivo de crescimento econômico do capitalismo é a origem de um ciclo de exploração e destruição do meio ambiente – ainda que regimes socialistas tem sido responsáveis por alguns dos maiores desastres naturais da história, como o acidente nuclear de Chernobyl e a desertificação do Mar de Aral pela União Soviética.

O ecossocialismo, porém, apoia-se nesses episódios como argumento de que a abolição do capitalismo não seria suficiente para deter a degradação do meio ambiente. Seria necessário, então, uma ideologia nova.

“Não veremos mudanças ecológicas positivas sem algumas mudanças sociais positivas, o que significa colocar questões centrais e de frente no combate ao racismo, no sexismo e na homofobia, além de reorganizar as políticas sociais e políticas ambientais”, diz Zach Zill, consultor em construção civil, carbono neutro e sustentabilidade.

“Precisamos de uma visão de um mundo completamente diferente, onde viveremos em igualdade e liberdade, e teremos tempo e energia para replantar nossas culturas, repensar como vivemos, reimaginar o que é comida e nossos relacionamentos”, afirma.

Neste sentido, o ecossocialismo reúne duas formas de pensar sobre os seres humanos e o ambiente: a ecologia e o socialismo. De um lado, a ecologia analisa as interações entre os seres vivos e não-vivos dentro de um ecossistema. Mas a ecologia é uma ciência sem viés social, e é neste aspecto que o ecossocialismo se concentra: a ideologia ecossocialista utiliza a ideia marxista de que o capitalismo é destrutivo para explicar os fenômenos de degradação da natureza, mudanças climáticas, extinção de espécies, entre outros.

Pelo mundo

Nos últimos anos, surgiram várias organizações, coalizões ou partidos políticos explicitamente ecossocialistas, sobretudo na América do Norte e na Europa. As principais delas são a Ecosocialist Horizons e a System Change Not Climate Change, nos Estados Unidos, a Réseau Écosocialiste, no Canadá, e a Green Left and Socialist Resistance e o Partido Verde, no Reino Unido.

“Existe hoje, em escala mundial, uma corrente ecossocialista. Há um movimento ecossocialista internacional que, recentemente, por ocasião do Fórum Social Mundial de Belém (janeiro de 2009), publicou uma declaração sobre a mudança climática. E existe no Brasil uma rede ecossocialista que publicou também um manifesto, há alguns anos”, diz Michael Löwy.

No Brasil, um estudo recente identificou oito partidos ecossocialistas, divididos entre radicais e moderados. Os ecossocialistas radicais, que defendem o fim do sistema capitalista, integram o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido da Causa Operária (PCO), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e Partido Comunista Brasileiro (PCB). Já os moderados são o Partido Verde (PV) e o Partido Ecológico Nacional (PEN).

O principal porta-voz do Partido Verde da Inglaterra e do País de Gales é também o fundador do grupo socialista Green Left, Derek Wall. Em uma 19 apresentação em um curso de “resistência socialista” chamado “Ecossocialismo ou Barbárie”, Wall defendeu uma releitura de Marx para desenvolver princípios ecossocialistas. Para ele, a alternativa é a destruição.

De acordo com Wall, o capitalismo precisa crescer sempre para se manter ativo, mas o crescimento econômico ilimitado é “insustentável”. Esse impasse seria a justificativa para apoiar o ecossocialismo, que ele apresenta como “uma alternativa para esse sistema de loucura”.

“A sanidade ecológica só pode vir quando reconhecemos que o atual sistema econômico do capitalismo é uma construção social que deve ser derrubada”, afirma Wall.

Estrutura

Parte do modelo dos ecossocialistas se baseia em estruturas sociais de povos indígenas, que vivem em sociedades sem divisão de classes e dependem dos recursos naturais. O objetivo é utilizar conhecimentos tradicionais antigos para criar uma nova sociedade sem capitalismo que atenda apenas às necessidades, não aos desejos das pessoas.

Um consenso entre os ecossocialistas é que o seu objetivo só pode ser alcançado se eles utilizarem conhecimentos de comunidades tradicionais que não são socialistas. Derek Wall afirma que o ecossocialista “mais inspirador” é Hugo Blanco, político trostkista e líder da Confederação Camponesa do Peru, 112 que ficou à frente de uma revolta dos povos indígenas nos anos 1960 e foi elogiado por Che Guevara.

“A crise ecológica será ganha ou perdida na Amazônia. Apoiar os povos indígenas que lutam para preservá-la deve ser uma prioridade absoluta para todos nós que nos preocupamos com a mudança climática”, diz Wall. Ele afirma ainda que o presidente Jair Bolsonaro é “um líder essencialmente fascista” que tem como alvo os indígenas, principalmente por causa de sua defesa da Amazônia.

De qualquer forma, o ecossocialismo coloca a natureza como ponto central das ações da esquerda, o que contradiz o próprio socialismo — que coloca a “luta de classes” como o problema central da sociedade.

“A crise econômica tem consequências sociais dramáticas — desemprego, crise alimentar etc. —, mas a crise ecológica coloca em perigo a sobrevivência da vida humana neste planeta, diz Löwy.